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3 de abr. de 2015

Out-doors em Recife e os rastros que retornam


por Sérgio Andrade


Desde 2011, os zezas do CoMteMpu's deixaram de somente residir em Salvador (BA) e passaram a também atuar artisticamente, de forma continuada, e fazer morada em Olinda (PE) e no Rio de Janeiro (RJ). Hoje somos uma plataforma de artistas que circuitam por essas cidades e além delas. Nesse trânsito de lugares e pessoas estamos sempre correndo o risco de aparecer mais em um lado, menos em outro, com situações de recepção distintas em cada canto.

É difícil essa coisa chamada "habitar" ou "residir" nessa dispersão reunida, posto que já vivendo já se habita; já se vive com, residindo em, numa certa temporalidade. E quem quando sabe (con)viver? Quem quando sabe como ocupar os espaços em que se habitam? A lida em grupo/ plataforma, em Zezolândia, tem nos apresentado muitas dúvidas sobretudo quanto ao que fazemos com as coisas, os rastros, os entulhos, os acúmulos... que incorporamos ao passo que resistimos no tempo. Falta-nos organizar os materiais, falta-nos muitas coisas ao mesmo tempo em que já estamos suprindo, substituindo, suplementando, com gambiarras (às vezes), todas elas. E de tempos em tempos, em outro momento, nos deparamos com algum registro que não foi, ainda, difundido ou algum material que, simplesmente, não sabemos dar fim. Publica, doa, difunde, guarda... para quem/quê? O que fazemos com as coisas que produzimos nunca de imediato e que vem somente como um passado, não parado no tempo, mas um "já passou que retorna", um tempo out of joint*?

Nos espectros acumuladas há quase dez anos, revisitando materiais para criação de acervos e rascunhando novos projetos, lembramos desse vídeo de Out-doors gravado em 2012 durante um de nossos projetos realizados em Recife. Como tinha sido realizado e gravado em Pernambuco, até então só os zezas Iara e Tonlin tinham assistido esse material hoje disponibilizado aqui quase três anos depois.


Chegou atrasado, perdido nos tempos de hoje.


[Aforismo #1: "Nos tempos de hoje" - essa expressão que tenta dar conta de algum panorama do que parece acontecer "agora" e que tampouco está tão distante do momento de gravação do vídeo, mas que talvez seja mais distante de quando Out-doors foi realizada pela primeira vez em 2008; esse "hoje" com tom de "nos últimos dois anos" - em que, lamentavelmente, os fundamentalismos político, moral e religioso tem galgado cada vez mais as ruas de todas as cidades brasileiras, o retorno das imagens de Out-doors pode deixar friccionar ruídos, sobretudo, quanto aos modos de como a manifestação de corpos nas ruas compõe forças, constroem espaços. Coreografias do espaço urbano: estar para fora das portas, ao ar livre, out-of-doors, fora daquilo que mais chamamos de íntimo, casa, habitação do si, não seria, desde sempre, um estar com outro out of joint? "Estar com", como o estar com os que habitam fora, não é também um out of joint, um desajuste, incondicional?]

Pois bem. Enquanto ainda vamos aprendendo a viver e a como fazer as coisas em tempo (tarefa impossível), confere aí uma edição de Out-doors que rolou em Recife (PE). Registros de outras ações durante essa temporada de 2012, virão, em breve (no tempo que for). Os créditos seguem abaixo.


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*Em português, a expressão out of joint poderia ser traduzida como "fora do comum" ou "de ponta a cabeça" ou "desajustado". A enigmática frase "time is out of joint" é uma referência ao legado de Shakespeare, em Hamlet, retomada por Derrida, em Specters of Marx (1994), para discutir questões sobre a temporalidade e a herança assombradas pelos espectros de Marx para além de Marx e além dos marxistas (uma certa tradição marxista). A espectralidade de Derrida assombra outros momentos desse texto, sobretudo nas perguntas de como aprender a viver. Logo nas primeiras linhas de seu exórdio, escreve Derrida (1994, p. xvii) : "Someone, you or me, comes forward and says: I would like to learn to live finally. Finally but why? To learn to live: a strange watchword. Who learn? From whom? To teach to live, but to whom? Will we ever know? Will we ever know how to live and first of all what 'to learn to live' means? And why 'finally'?" [Tradução livre minha: "Alguém, você ou eu, vem a frente e diz: Eu gostaria de aprender a viver finalmente. Finalmente, mas por quê? Aprender a viver: uma estranha palavra de ordem. Quem aprende? De quem? Ensinar a viver, mas para quem? Saberemos um dia? Será que algum dia saberemos viver e, antes de tudo, o que 'aprender a viver' significa? E por que finalmente?"].



Out-doors | Recife | CoMteMpu's from CoMteMpus on Vimeo.

OUT-DOORS
Grupo CoMteMpu's - Linguagens do Corpo (BA/ PE/ RJ)

Zezas em ação|
Performeiros: Aldren Lincoln, Eros Ferreira, Iara Sales, Mariana Gottschalk e Sérgio Andrade
Video (imagens e edição): Tonlin Cheng
Direção Geral: Sérgio Andrade

Esse vídeo registra a última realização de Out-doors em Recife, no dia 12 de Dezembro de 2012, ação que integrou o projeto de Manutenção do Grupo CoMteMpu's (2011-2014), com apoio da Fundação Cultural do Estado da Bahia.

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Sobre a performance:

Out-doors (2008) é uma intervenção urbana do Grupo CoMteMpu's (BA / PE / RJ) fruto do projeto de pesquisa artística Corpo-Plástico-Objeto-Coisa (CPOC), realizada durante os anos de 2006 a 2009, na qual os zezas (integrantes co-criadores do CoMteMpu's) investigaram os processos de manipulação, distorção, inversão e subversão da imagem-corpo. A pesquisa CPOC se desdobrou em diversas ações entre espetáculo, vídeos, instalação interativa, intervenções urbanas, intercâmbios, projetos de residência artística na Colômbia, textos e workshops. Out-doors foi realizada pela primeira vez em Janeiro de 2008, nas cidades de Jequié e Itabuna, durante o projeto de circulação do grupo pelo estado da Bahia. Em seguida, participou do 7o. Festival de Performance de Cali (2009) e do 7o. Encuentro of Hemispheric Institute of Performance and Politics (2010), ambos realizados na Colômbia. Em Salvador, no Projeto Quarta que Dança, em 2009, recebeu duas novas versões, Out-doors 2 e 3, numa placa de outdoor e na praia, respectivamente. Retornou as ruas, nas cidades do Rio de Janeiro e do Recife, em 2012, como parte do projeto de Manutenção do Grupo CoMteMpu's (2011-2014) que realizou uma série de ações do grupo entre mostra de trabalhos, pesquisa, intercâmbios, residências e ações formativas com apoio financeiro da Fundação Cultural do Estado da Bahia.

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